‘Aqui, onde acaba a estrada’. Tema das migrações forçadas sobe ao palco
27/09/2022
Uma família foge da guerra há gerações — há tanto tempo que já nem se lembra da terra de onde era – e finalmente encontra um portão com a promessa de que, do outro lado, há um mundo melhor.
No entanto, para passarem o portão terão de renunciar à sua cultura e à sua língua e mesmo isso poderá não ser suficiente para passarem para lá do sítio onde acaba a estrada.
É este o mote de ‘Aqui, onde acaba a estrada’, peça escrita e encenada por Igor Lebreaud, que fala da violência das fronteiras, da ideia do outro, do que é ou não “civilizado”.
No palco, o portão assume-se como um dos poucos elementos de cenografia do espetáculo, uma sexta personagem, para além dos três refugiados, do guarda do portão e do ‘Professor’, que assume a chefia da fronteira e determina quem pode ou não entrar – aliás, quem é ou não civilizado.
“O portão é a sexta personagem. Tem uma identidade muito forte no texto e no espetáculo. O portão é o sistema, é a mega-estrutura”, disse à agência Lusa Igor Lebreaud, apontando para o portão também como elemento artificial que determina uma fronteira, uma divisão artificial entre territórios.
Diante do portão, a família de três refugiados é obrigada a um processo de renúncia da sua cultura e língua, para tentarem passar.
“Queria abordar esta ideia de que mesmo atingindo a dita civilização continuam a ser estrangeiros. Têm de deixar tudo para trás e, mesmo que passem, mesmo que entrem, mesmo que os aceitemos, nunca serão iguais a nós”, notou o encenador.
O ator que está na companhia desde 2009 tem nesta peça a sua primeira “aventura” como dramaturgo, um texto que surgiu em 2018, “durante uma certa ressaca pessoal da crise dos refugiados da Síria”.
“Há esta coisa de querer afastar o outro, de apontar o dedo ao outro – até de criar o conceito do outro para legitimar quem sou e tudo isso já andava na minha cabeça há muito tempo. Simplesmente isto foi a maneira de poder falar sobre isso, partindo do que estava a dar diariamente na televisão”, referiu.
No entanto, a peça situa-se num local e tempo indeterminado e os refugiados falam uma língua “inventada” — um cruzamento de várias línguas propositadamente europeias, como o italiano, o alemão ou o latim.
Para a criação do texto, o ator só tinha a imagem de uma família que chega a um portão, no meio de um deserto, a arrastar uma caixa, e o título da peça.
Em três dias, saiu o primeiro rascunho, que foi alvo de sucessivas revisões, referiu.
Depois de partilhar a peça com os colegas, o diretor da companhia, António Augusto Barros, acabou por desafiar Igor Lebreaud a encenar o texto.
Entretanto, o ator já está a rever outros dois textos e admite ter “mais algumas coisas que ainda estão a crescer”.
Sobre se poderão também esses ser encenados na companhia onde está há 14 anos, Igor Lebreaud recusa criar grandes expectativas.
“Talvez… se não me tiver portado muito mal”, brinca.
A peça é interpretada por Ana Teresa Santos, Hugo Inácio, Margarida Dias, Miguel Magalhães e Ricardo Kalash.
‘Aqui, onde acaba a estrada’ estará em cena no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, até 16 de outubro, todas as semanas, entre quinta-feira e domingo.
Os bilhetes custam entre cinco e dez euros.
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